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Fui mobilizado para Angola em 1966, depois de já ter sido promovido a alferes miliciano. Os acasos da vida aqui não entraram pois outros factores me forçaram a embarcar no “Uíge” com mais dois mil bicos fardados que foram encontrar a bordo uns quantos mais e quantas - e outros, entre as nove e as onze, mais acolhedores do que os restantes membros da tripulação. Estes últimos, poucos, tentaram de imediato fazer ralações, ups, relações mais próximas com os memb…, ups, a malta castrense. Vidas.

 A viagem correu satisfatoriamente, só houve, logo à saída da barra um soldado da Mouraria que meteu noutro três centímetros duma ponta-e-mola e quem levantou o auto adivinhem? Só a modéstia natural me impede de dizer que fui eu… E durante ela que demorou 14 dias tentei descobrir os mistérios insondáveis do brídege, tarefa que me foi quase infrutífera dada a condição do animal – eu – não me entusiasmar assaz com jogos de cartas e, sobretudo, porque as partidas eram a dinheiro e isso nunca fiz, faço e farei (conheço que disse façarei, mas isso é outra estória. A bordo, todos os oficiais gabavam a minha sorte, o que parecia ser a ironia suprema que não era; ao contrário desses militares cuja família ficava no Puto, a Raquel esperava-me em Luanda.


Minha mulher decidira ir também à guerra, uma muito especial, levando o Miguel e o Paulo como acompanhantes, porém sem guitarra nem viola. De resto, ela, quando abre a boca (até hoje) faz chorar de emoção que a ouve? Nada, faz chorar sim as pedrinhas da calçada horrorizadas perante as notas e as semifusas de tal sorte que há quem lhe chame filha da pauta. O desembarque no porto de Luanda decorreu sem grandes sobressaltos, a maioria do pessoal de trombas e eu com sorriso achincalhante.

Não resisto qui a contar anedota que corria por entre guindastes, cadernais e outros. Um soldado, pisando tereno firma vê um menino preto a vender jornais. Pergunta, “olha lá catraio o jornal é de hoje?” E a resposta pronta do negrito: “não, patrão, é doje e quinhentos”. Adiante, siga a estória ultrapassado que foi este breve parênteses. O Serviço de Justiça, minha especialidade levou-me à CCS/QJ – RMA, sigla cabalístico-militar que trocada por palavras queria dizer Companhia de Comando e Serviços do Quartel- General da Região Militar de Angola.

Salto aqui o que foi a minha vida entre autos e processos até às colunas ao mato; mas, estas merecem uma explicação mais pormenorizada. A minha especialidade como acima disse era SAM – Serviço de Justiça. Descodifico: Serviço de Administração Militar. Daí que a minha arma habitual era uma BIC laranja. Mas, de Lisboa, o ministro do Exército, general Luz Cunha, mandara um despacho para o general comandante da RMA (sigla acima) decretando que tratando-se eu de um elemento subversivo e comunista devia como prémio fazer colunas ao mato e, se possível, as piores possíveis. As possibilidades de que o alferes miliciano A. Ferreira levar um tiro eram possivelmente as mais possíveis.

Fiz umas quantas, bastantes, a locais pouco recomendáveis, desde Zala até Nambuangongo, passando por Sazaire. Pedra do Feitiço e quejandos. Sem ter apanhado o tal tiro recomendado. Passou o tempo até que completei cinco anos fardado. Por mor da PIDE que então não era DGS lá passei à peluda, jargão castrense que quer dizer passar à disponibilidade, ou seja regressar à vida civil. Se voltasse a Lisboa tinha a vida mais complicada por obra da prestimosa organização policial/política que gostava muito de mim. Para melhor, muitíssimo.

Já desfardado, um dia, ou seja, uma noite decidimos a Raquel e eu entre lençóis tentar a fabricação de uma menina pois já estávamos abonados de dois rapazes. Porém, o parto resultou numa “cachopa” que se chamou… Luís Carlos, contra todas as previsões de familiares e amigos que juravam a pés juntos o sexo feminino para a nascitura que, finalmente, foi um nascituro portador de saúde e de pulmões; na vizinhança faziam-se apostas sobre os decibéis do puto.


A Raquel entendeu dar o primeiro banho ao recém-chegado com os outros dois a assistir, a fim de desde logo conjugarem o verbo amar e o espírito de família com o júnior. E logo, depois de o desflraldar, o Miguel cochichou para o Paulo: “olha, ele tem um pirolito igual ao nosso”… E se os augúrios tivessem acertado e fosse uma catraia?
ra primeira experiência em Português até está muito bem, digo-lhe, ainda que haja coisas que poderiam sair melhor, mas o tempo há-de burilá-las; quanto à música, já pedira parecer para Portugal, a ver se alguém estava interessado em fazê-la. Frederica está sentada na cama dela, o pai e a mãe assistem à conversa, vão buscar os desenhos que ilustram o novo livro que está para sair. Na parede, um quadro da autoria dela onde se misturam as cores deleitando-se com a proposta pictórica. Pintas muito bem e Frederika sorri. Pinto com o computador, com pincel a mão não conseguia.

O pai Zito já me dissera uns anos atrás que teria gostado de ir a Portugal, mas por mor dela, não o poderia fazer, viagem de avião era complicada e assim por diante. Mas, de repente lanço-lhe um desafio: Gostavas de ir a Portugal? Abrem-se-lhe os lábios da felicidade,  qual criança grande atira um siiiimmmmm!!!! Os pais encolhem-se, eu vou dizendo que nos aviões há todas as condições para os deficientes e farei tudo o que for possível para o desejo se concretizar. E Frederika, com o riso a iluminar-lhe o rosto, há sempre o navio… Numa árvore um pássaro entoa um piar sincopado. Anuncia chuva ou boda. Por agora, bem pode cantar.

SEXTA-FEIRA, 9 DE MAIO DE 2014

GRALHAS SEM GRALHAS (JÁ EM LISBOA)

Por Antunes Ferreira
 
Salustiano é nome de goês. Carlos Salustiano Caldeira. É com ele que converso. Ali ao lado corre, molengão, o Mandovi. Não há batelões que usam transportar o minério, porque há 20 meses que as minas foram encerradas porque a maior parte delas era ilegal. Mas, os navios-casinos continuam fundeados no rio e barcos de transporte dos passageiros vão ondulando entre os portos de embarque e os costados. Um dia contarei a estória destes jogos de azar. Basta, porém, que hoje diga que os naturais já estiveram proibidos de lá entrar, mas a sentença voltou atrás.

Estamos na esplanada Riviera que pertence ao Hotel Mandovi e se encontra em frente dele. É um local aprazível para conversar, tomar uns copos, discutir sobre a possibilidade de um novo aeroporto, avaliar dos prejuízos causados ao estado de Goa pelo larvar mineral. Ali mesmo ao lado, está um dos dois ferryboats que atravessam o rio engolem e vomitam pequenos pot-pourris de gente, motorizadas e automóveis e até camionetas. São barcos velhos e estão programados novos, não se sabe bem para quando.

Enquanto eu, desgraçado, vou matando a sede  os graus centígrados atingiram os 40  com uma Diet Coke, misturada com a água duma garrafa e vinte quilos de gelo (os empregados de mesa já se habituaram ao insólito pedido e trazem-me quantidades substanciais dele) Salustiano escorropicha um uísque Amrut que é feito de cevada indiana, seleccionada no norte dos estados de Punjab, Haryana e Rajasthan e a suaágua é proveniente do sopé do Himalaia e também de Bangalore. Com a correspondente soda. O Amrut já começou a conquistar o Mundo, e aqui só os entendidos o pedem. Salustiano é.

Curiosamente li há poucos dias que na Índia, com uma população de 1,2 mil milhões, há poucas estatísticas mundiais que o país não domina. Ligadas ao consumo mas, sobretudo, à pobreza, falta de condições sanitárias ou desigualdade social. No entanto, há dados que, aparentemente, não entrariam nas contas dos mais devotos conhecedores das estatísticas globais. De acordo com o Euromonitor International, a Índia consome metade do uísque vendido globalmente no Mundo, sendo que esta percentagem vai subir até aos 70% em 2017. Resumo: os indianos consomem 1,2 litros de whisky per capita por ano, estando atrás  dos franceses (2,15 litros por pessoa) e dos norte-americanos (1,5 litros por pessoa, por ano).


Não entrando em minudências, limito-me a referir o pormenor singular, mais um dos muitos que por aqui encontro. E fascinantes. Continuamos a charla virando-nos para o críquete. Antes de vir com alguma frequência a Goa e a outros estados deste subcontinente, pouco ou mesmo nada entendia deste desporto, a par com a ignorância similar sobre o beisebol. Agora, porém, já sigo pela televisão umas partidas em que a Índia já foi campeã mundial em 2011. Uma explicação simples sobre este jogo proveniente também do Reino Unido, tal como o futebol.


As equipas têm onze jogadores e os encontros decorrem num campo circular sem dimensões fixas, mas sempre muito amplo. Os movimentos principais passam-se numa faixa rectangular de 20,1 metros de comprimento, no centro do campo, onde a bola (de cortiça e couro) chega a voar a 150 km/h. Ela é lançada à mão pelo atirador contra o alvo do adversário (três varetas fincadas no solo, chamadas stumps, cujo conjunto é conhecido como wicket), que é defendido pelo batsman , o batedor  com o seu bastão. Este, depois de rebater o esférico corre ao longo do rectângulo. Resta acrescentar que nas bancadas igualmente circulares uma multidão delira com as jogadas.

Marcar mais de 10.000 corridas, para um batsman é considerada uma conquista significativa em One Day International Criket (ODI), ou seja o topo da carreira. O primeiro foi alcançado pelo indiano Sachin Tendulkar, que se retirou em 2011, depois de conquistado o título mundialque acaba de ser galardoado com a condecoração mais alta da Índia. É um verdadeiro herói nacional. Sobretudo quando dava a vitória nos confrontos com o Paquistão. Que são assim a modos dum Portugal-Espanha em hóquei em patins do antigamente, mas com mais porrada o que pareceria impossível, mas não é. Sabe-se da figadal amizade entre estes dois países… Os jogadores também são pagos a peso de ouro, tal como no desporto-rei.

Levanta-se o Salustiano, aliás sem grandes pressas, é nestas alturas que me lembro sempre do meu compadre Manel de Estremoz, tenho de ir ali ao mercado, as mal curadas já chegaram em força e o preço baixou em flecha. Elucido: é denominação das primeiras mangas que aparecem e que nada têm que ver com as grandonas que se vendem em Portugal, brasileiras, venezuelanas e afins. As goesas cheiram e sabem a mangas reais; as outras são mais a atirar para a plastic food. Quem não tem cão, caça com gato.

Também tenho que fazer: às seis e meia da tarde, vou encontrar-me no Aunty Maria do Hotel Fidalgo, com o Mário Bruto da Costa, advogado, irmão do Alfredo que já foi ministro em Portugal e é conhecido pelas suas profundas preocupações sociais, nomeadamente no que concerne a pobreza. A conversa será, tanto quanto penso, sobre o livro de que Mário é autor do livro “A Terceira Corrente” em que aborda a intervenção política do pai, o Dr. António Anastácio Bruto da Costa, o advogado que ficou bem conhecido pela tareia que deu ao então governador-geral do Estado Português da Índia” Quintanilha de Mendonça Dias.

Conheci Mário Bruto da Costa, já depois de ter lido o seu livro que comprara ao Vasco Pinho, a que penso dedicar também um escrito, bem como à troca de impressões com o jurista com quem iniciei mais uma bela amizade. Foi no consultório do analista Dr. Dumé onde ambos esperávamos para ser sangrados pelo ilustre clínico. Dada a flagrante parecença com o Alfredo Bruto da Costa, intrometido como sempre foi, sou e serei perguntei-lhe se seriam da mesma família. Somos irmãos, respondeu-me. Logo lhe retorqui que era então ele o autor da obra que acabara de ler. E pronto.

Como ainda rondavam as cinco e quase meia minutos, e seguindo as pegadas do Salustiano, decidi-me a ir também até ao mercado chamado pelas mangas novas e pelos chicus, estes, no entanto, de pouca qualidade para a época. Mas, quiçá poderia mercar uma ou duas papaias. À porta, como sempre, um leproso arrepiante estendia a mão à caridade. Um turista fotografava-o a troco de umas moedas que lhe atirou depois. Eu nunca o faria, achei uma desumanidade, mas, cada qual é como é. Entrei e logo à frente de uma exposição de frutos diversos dormia tranquilamente um vendedor. A sagrada hora da sesta, pelos vistos, também funciona entre cocos, bananas, peras, abacates, ananases e outros, até mesmo uvas.

primeira vez

Fui mobilizado para Angola em 1966, depois de já ter sido promovido a alferes miliciano. Os acasos da vida aqui não entraram pois outros factores me forçaram a embarcar no “Uíge” com mais dois mil bicos fardados que foram encontrar a bordo uns quantos mais e quantas - e outros, entre as nove e as onze, mais acolhedores do que os restantes membros da tripulação. Estes últimos, poucos, tentaram de imediato fazer ralações, ups, relações mais próximas com os memb…, ups, a malta castrense. Vidas.

 A viagem correu satisfatoriamente, só houve, logo à saída da barra um soldado da Mouraria que meteu noutro três centímetros duma ponta-e-mola e quem levantou o auto adivinhem? Só a modéstia natural me impede de dizer que fui eu… E durante ela que demorou 14 dias tentei descobrir os mistérios insondáveis do brídege, tarefa que me foi quase infrutífera dada a condição do animal – eu – não me entusiasmar assaz com jogos de cartas e, sobretudo, porque as partidas eram a dinheiro e isso nunca fiz, faço e farei (conheço que disse façarei, mas isso é outra estória. A bordo, todos os oficiais gabavam a minha sorte, o que parecia ser a ironia suprema que não era; ao contrário desses militares cuja família ficava no Puto, a Raquel esperava-me em Luanda.


Minha mulher decidira ir também à guerra, uma muito especial, levando o Miguel e o Paulo como acompanhantes, porém sem guitarra nem viola. De resto, ela, quando abre a boca (até hoje) faz chorar de emoção que a ouve? Nada, faz chorar sim as pedrinhas da calçada horrorizadas perante as notas e as semifusas de tal sorte que há quem lhe chame filha da pauta. O desembarque no porto de Luanda decorreu sem grandes sobressaltos, a maioria do pessoal de trombas e eu com sorriso achincalhante.

Não resisto qui a contar anedota que corria por entre guindastes, cadernais e outros. Um soldado, pisando tereno firma vê um menino preto a vender jornais. Pergunta, “olha lá catraio o jornal é de hoje?” E a resposta pronta do negrito: “não, patrão, é doje e quinhentos”. Adiante, siga a estória ultrapassado que foi este breve parênteses. O Serviço de Justiça, minha especialidade levou-me à CCS/QJ – RMA, sigla cabalístico-militar que trocada por palavras queria dizer Companhia de Comando e Serviços do Quartel- General da Região Militar de Angola.

Salto aqui o que foi a minha vida entre autos e processos até às colunas ao mato; mas, estas merecem uma explicação mais pormenorizada. A minha especialidade como acima disse era SAM – Serviço de Justiça. Descodifico: Serviço de Administração Militar. Daí que a minha arma habitual era uma BIC laranja. Mas, de Lisboa, o ministro do Exército, general Luz Cunha, mandara um despacho para o general comandante da RMA (sigla acima) decretando que tratando-se eu de um elemento subversivo e comunista devia como prémio fazer colunas ao mato e, se possível, as piores possíveis. As possibilidades de que o alferes miliciano A. Ferreira levar um tiro eram possivelmente as mais possíveis.

Fiz umas quantas, bastantes, a locais pouco recomendáveis, desde Zala até Nambuangongo, passando por Sazaire. Pedra do Feitiço e quejandos. Sem ter apanhado o tal tiro recomendado. Passou o tempo até que completei cinco anos fardado. Por mor da PIDE que então não era DGS lá passei à peluda, jargão castrense que quer dizer passar à disponibilidade, ou seja regressar à vida civil. Se voltasse a Lisboa tinha a vida mais complicada por obra da prestimosa organização policial/política que gostava muito de mim. Para melhor, muitíssimo.

Já desfardado, um dia, ou seja, uma noite decidimos a Raquel e eu entre lençóis tentar a fabricação de uma menina pois já estávamos abonados de dois rapazes. Porém, o parto resultou numa “cachopa” que se chamou… Luís Carlos, contra todas as previsões de familiares e amigos que juravam a pés juntos o sexo feminino para a nascitura que, finalmente, foi um nascituro portador de saúde e de pulmões; na vizinhança faziam-se apostas sobre os decibéis do puto.


A Raquel entendeu dar o primeiro banho ao recém-chegado com os outros dois a assistir, a fim de desde logo conjugarem o verbo amar e o espírito de família com o júnior. E logo, depois de o desflraldar, o Miguel cochichou para o Paulo: “olha, ele tem um pirolito igual ao nosso”… E se os augúrios tivessem acertado e fosse uma catraia?
ra primeira experiência em Português até está muito bem, digo-lhe, ainda que haja coisas que poderiam sair melhor, mas o tempo há-de burilá-las; quanto à música, já pedira parecer para Portugal, a ver se alguém estava interessado em fazê-la. Frederica está sentada na cama dela, o pai e a mãe assistem à conversa, vão buscar os desenhos que ilustram o novo livro que está para sair. Na parede, um quadro da autoria dela onde se misturam as cores deleitando-se com a proposta pictórica. Pintas muito bem e Frederika sorri. Pinto com o computador, com pincel a mão não conseguia.

O pai Zito já me dissera uns anos atrás que teria gostado de ir a Portugal, mas por mor dela, não o poderia fazer, viagem de avião era complicada e assim por diante. Mas, de repente lanço-lhe um desafio: Gostavas de ir a Portugal? Abrem-se-lhe os lábios da felicidade,  qual criança grande atira um siiiimmmmm!!!! Os pais encolhem-se, eu vou dizendo que nos aviões há todas as condições para os deficientes e farei tudo o que for possível para o desejo se concretizar. E Frederika, com o riso a iluminar-lhe o rosto, há sempre o navio… Numa árvore um pássaro entoa um piar sincopado. Anuncia chuva ou boda. Por agora, bem pode cantar.

SEXTA-FEIRA, 9 DE MAIO DE 2014

GRALHAS SEM GRALHAS (JÁ EM LISBOA)

Por Antunes Ferreira
 
Salustiano é nome de goês. Carlos Salustiano Caldeira. É com ele que converso. Ali ao lado corre, molengão, o Mandovi. Não há batelões que usam transportar o minério, porque há 20 meses que as minas foram encerradas porque a maior parte delas era ilegal. Mas, os navios-casinos continuam fundeados no rio e barcos de transporte dos passageiros vão ondulando entre os portos de embarque e os costados. Um dia contarei a estória destes jogos de azar. Basta, porém, que hoje diga que os naturais já estiveram proibidos de lá entrar, mas a sentença voltou atrás.

Estamos na esplanada Riviera que pertence ao Hotel Mandovi e se encontra em frente dele. É um local aprazível para conversar, tomar uns copos, discutir sobre a possibilidade de um novo aeroporto, avaliar dos prejuízos causados ao estado de Goa pelo larvar mineral. Ali mesmo ao lado, está um dos dois ferryboats que atravessam o rio engolem e vomitam pequenos pot-pourris de gente, motorizadas e automóveis e até camionetas. São barcos velhos e estão programados novos, não se sabe bem para quando.

Enquanto eu, desgraçado, vou matando a sede  os graus centígrados atingiram os 40  com uma Diet Coke, misturada com a água duma garrafa e vinte quilos de gelo (os empregados de mesa já se habituaram ao insólito pedido e trazem-me quantidades substanciais dele) Salustiano escorropicha um uísque Amrut que é feito de cevada indiana, seleccionada no norte dos estados de Punjab, Haryana e Rajasthan e a suaágua é proveniente do sopé do Himalaia e também de Bangalore. Com a correspondente soda. O Amrut já começou a conquistar o Mundo, e aqui só os entendidos o pedem. Salustiano é.

Curiosamente li há poucos dias que na Índia, com uma população de 1,2 mil milhões, há poucas estatísticas mundiais que o país não domina. Ligadas ao consumo mas, sobretudo, à pobreza, falta de condições sanitárias ou desigualdade social. No entanto, há dados que, aparentemente, não entrariam nas contas dos mais devotos conhecedores das estatísticas globais. De acordo com o Euromonitor International, a Índia consome metade do uísque vendido globalmente no Mundo, sendo que esta percentagem vai subir até aos 70% em 2017. Resumo: os indianos consomem 1,2 litros de whisky per capita por ano, estando atrás  dos franceses (2,15 litros por pessoa) e dos norte-americanos (1,5 litros por pessoa, por ano).


Não entrando em minudências, limito-me a referir o pormenor singular, mais um dos muitos que por aqui encontro. E fascinantes. Continuamos a charla virando-nos para o críquete. Antes de vir com alguma frequência a Goa e a outros estados deste subcontinente, pouco ou mesmo nada entendia deste desporto, a par com a ignorância similar sobre o beisebol. Agora, porém, já sigo pela televisão umas partidas em que a Índia já foi campeã mundial em 2011. Uma explicação simples sobre este jogo proveniente também do Reino Unido, tal como o futebol.


As equipas têm onze jogadores e os encontros decorrem num campo circular sem dimensões fixas, mas sempre muito amplo. Os movimentos principais passam-se numa faixa rectangular de 20,1 metros de comprimento, no centro do campo, onde a bola (de cortiça e couro) chega a voar a 150 km/h. Ela é lançada à mão pelo atirador contra o alvo do adversário (três varetas fincadas no solo, chamadas stumps, cujo conjunto é conhecido como wicket), que é defendido pelo batsman , o batedor  com o seu bastão. Este, depois de rebater o esférico corre ao longo do rectângulo. Resta acrescentar que nas bancadas igualmente circulares uma multidão delira com as jogadas.

Marcar mais de 10.000 corridas, para um batsman é considerada uma conquista significativa em One Day International Criket (ODI), ou seja o topo da carreira. O primeiro foi alcançado pelo indiano Sachin Tendulkar, que se retirou em 2011, depois de conquistado o título mundialque acaba de ser galardoado com a condecoração mais alta da Índia. É um verdadeiro herói nacional. Sobretudo quando dava a vitória nos confrontos com o Paquistão. Que são assim a modos dum Portugal-Espanha em hóquei em patins do antigamente, mas com mais porrada o que pareceria impossível, mas não é. Sabe-se da figadal amizade entre estes dois países… Os jogadores também são pagos a peso de ouro, tal como no desporto-rei.

Levanta-se o Salustiano, aliás sem grandes pressas, é nestas alturas que me lembro sempre do meu compadre Manel de Estremoz, tenho de ir ali ao mercado, as mal curadas já chegaram em força e o preço baixou em flecha. Elucido: é denominação das primeiras mangas que aparecem e que nada têm que ver com as grandonas que se vendem em Portugal, brasileiras, venezuelanas e afins. As goesas cheiram e sabem a mangas reais; as outras são mais a atirar para a plastic food. Quem não tem cão, caça com gato.

Também tenho que fazer: às seis e meia da tarde, vou encontrar-me no Aunty Maria do Hotel Fidalgo, com o Mário Bruto da Costa, advogado, irmão do Alfredo que já foi ministro em Portugal e é conhecido pelas suas profundas preocupações sociais, nomeadamente no que concerne a pobreza. A conversa será, tanto quanto penso, sobre o livro de que Mário é autor do livro “A Terceira Corrente” em que aborda a intervenção política do pai, o Dr. António Anastácio Bruto da Costa, o advogado que ficou bem conhecido pela tareia que deu ao então governador-geral do Estado Português da Índia” Quintanilha de Mendonça Dias.

Conheci Mário Bruto da Costa, já depois de ter lido o seu livro que comprara ao Vasco Pinho, a que penso dedicar também um escrito, bem como à troca de impressões com o jurista com quem iniciei mais uma bela amizade. Foi no consultório do analista Dr. Dumé onde ambos esperávamos para ser sangrados pelo ilustre clínico. Dada a flagrante parecença com o Alfredo Bruto da Costa, intrometido como sempre foi, sou e serei perguntei-lhe se seriam da mesma família. Somos irmãos, respondeu-me. Logo lhe retorqui que era então ele o autor da obra que acabara de ler. E pronto.

Como ainda rondavam as cinco e quase meia minutos, e seguindo as pegadas do Salustiano, decidi-me a ir também até ao mercado chamado pelas mangas novas e pelos chicus, estes, no entanto, de pouca qualidade para a época. Mas, quiçá poderia mercar uma ou duas papaias. À porta, como sempre, um leproso arrepiante estendia a mão à caridade. Um turista fotografava-o a troco de umas moedas que lhe atirou depois. Eu nunca o faria, achei uma desumanidade, mas, cada qual é como é. Entrei e logo à frente de uma exposição de frutos diversos dormia tranquilamente um vendedor. A sagrada hora da sesta, pelos vistos, também funciona entre cocos, bananas, peras, abacates, ananases e outros, até mesmo uvas.

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