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o dia feliz

EU BEM SUSPEITAVA que transportava comigo uma segunda derme, perfeitamente acoplada à pele, talvez mesmo indissociáveis ambas. Especifico: à minha pele; ou seja à minha epiderme. A este propósito e antes de me alongar (prometo que me encurtarei), venha a clássica consulta à Wikipédia. A epiderme (do grego Επιδερμίδα epi+derme; em cima da pele) é a camada mais superficial da pele, ou seja, a que está directamente em contacto com o exterior. É um epitélio escamoso estratificado que actua como importante barreira do corpo em ambientes inóspitos, protegendo a pele contra infecções, perdas de calor e outras, nomeadamente em partes mais sensíveis, contra traumas.
Mas nunca pensei que essa duplicidade dérmica fosse suficientemente evidente para que outras pessoas a descortinassem. Como andava enganado? Aqui há uns dias, por obra de amigo comum, reencontrei o Ilídio Guedes, meu companheiro até à quarta classe (quando a havia). Daí para a frente nunca mais puséramos os olhos em cima dos outros do outro e vice-versa. Foi uma alegria, podem crer. Mas, depois, uma ansiedade, para terminar numa completa desilusão. Palavra puxa palavra, frase puxa frase e a dada altura, surdiu a clássica… e como vais de amores?
Dado que o autor confesso da inquirição era (ou fora) da minha inteira confiança, respondi-lhe que estava casado quase há cinquenta anos, ao que o Guedes me perguntou, com um ar de espanto afivelado na face, e sempre com a mesma mulher? Perante a minha anuência, o camarada olhou-me de alto a baixo e desfechou, fala-se muito em study cases, que se dividem em muitas alíneas, mas o teu caso é realmente como o lince da Malcata, ou seja em vias de extinção. Visto que eu persistia na imobilidade esbugalhada (característica que é apanágio do chamado Presidente da República em Belém) Ilídio acrescentou  que o meu era um verdadeiro Spielberg case pois eu me aproximava muito de um dinossauro, mais precisamente do anquilossauro.
Nesta altura da ocorrência, costumam as autoridades deslocar-se ao local onde ela se verificou. E esta era precisamente um bom exemplo da presença de agentes devidamente uniformizados que oportunamente iriam dar, supostamente, conta do que acontecera face à espinhosa situação de eu, ainda que subtilmente, possuir duas peles, duas dermes, até mesmo duas cútis. Interrogar-me-iam, por certo, sobre esse estranho anacronismo.
Entretanto, Guedes continuava a olhar-me entre o divertido e o admirado, pelo que de imediato me ocorreu que o sujeito estava a abusar de uma velha camaradagem desde os dois lugares da mesma carteira do externato Mouzinho da Silveira, isto é, estava a gozar-me. Tive ganas de lhe citar o Franz Kafka, mas contive-me. Sabia lá se ele me questionaria de forma acintosa, mas esse gajo joga na Primeira Liga ou na Segunda? O nome não me é estranho…
Pela minha parte, continuava a matutar na forma como lhe responderia, se a situação se tornasse numa calamidade. E, mentalmente equacionei que lhe poderia atirar que quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de insecto. E acrescentaria que era assim que Kafka  inicia a história do caixeiro-viajante, que numa manhã, ao acordar para o trabalho, vê que durante a noite se transformara num insecto horrível com um "dorso duro e inúmeras patas". Estive prestes a despejar no frontispício irónico do Ilídio que assim era o início da obra chamada “A Metamorfose” da autoria do escritor checo.
Logo de seguida continuei a elucubração, relembrando também “A Mosca”, filme que retracta a transformação repulsiva de um cientista numa enorme mosca, por intermédio de uma máquina de teletransporte que tinha inventado. As duas estórias juntas, ainda que separadas por mais de meio século, seriam mais do que suficientes para esmagar o Guedes. De tal sorte que acabariam as insinuações torpes sobre a suposta mutação ocorrida sobre mim mesmo. E o homem a dar-lhe, isso nem parece teu, mas vendo bem essa estória dos cinquenta anos casado sempre com a mesma mulher leva-me a corrigir a primeira avaliação; na verdade pareces-me mais um gorgossauro…
Só consegui responder-lhe com um angustiado – nota-se muito? E ele, a fazer de sério, se não abrisses a boca, não notaria nada e aproveitou para aditar que por fora, ou seja, a nível da epiderme, ninguém diria que eu era um sepielberguiano caso, em tradição livre e literal. Convicto de que não fazia parte de um qualquer Parque Jurássico, suspirei fundo. No entanto, assoberbado pela dúvida, foi então que me descobri portador dessa pele elevada ao quadrado, ainda que da mais firme, sincera e impoluta formação legal, moral e familiar. E assim me mantenho, sem traumas, graças ao meu epitélio escamoso estratificad
Há momentos na vida de um homem em que a tristeza e até a desilusão imperam por força das desgraças que acontecem a outrem. Pessoas e instituições que se lamentam da desdita merecem-me a afirmação de que estou com elas, lhes dou a minha solidariedade mais sincera, e que estou disposto – se tal for necessário – a enxugar-lhe as lágrimas.
Ombro em que se amparem ofereço-lhes desinteressadamente, e nele podem estar certas que podem chorar as suas mágoas. Os amigos têm de ser assim sobretudo nas ocasiões mais difíceis. Por isso compreendo as lamentações, aliás justíssimas, dos que sofrem na carne e nos órgãos (refiro-me obviamente a entidades, as mais das vezes pouco habituadas ao negativo da vida e por isso mal preparadas para reagir ao descrédito) as inclemências e os desvarios que existem neste planeta azul.
Feita esta declaração muito sentida em virtude de preocupações ciclópicas (parece-me que o termo foi utilizado por um governante que sucedeu a outro no antigo regime) que apoquentam homens e organizações, debruço-me verdadeiramente preocupado sobre notícia que obnubila uma empresa que nos acompanha a todos (ou quase) no dia-a-dia e que se esforça por nos servir bem. Vamos, pois, ao augúrio: “A Galp apurou um lucro de 218 milhões de euros nos nove primeiros meses do ano, menos 58 milhões (ou 21%) do que no mesmo período do ano passado” Numa confissão pública – o que é sempre de louvar – foi a própria petrolífera portuguesa que o revelou há dias.
E num revolver o punhal da angústia na ferida (diga-se que não foi um haraquíri) juntou logo em seguida que o resultado foi penalizado pelo desempenho no terceiro trimestre, período em que a empresa apresentou uma deterioração dos resultados financeiros e teve um aumento das amortizações e provisões no negócio de refinação e distribuição.
O povo que gosta de ser informado e portanto elucidado carregou o cenho. Podia lá ser? Um tal desastre de dimensão nacional era quase um cataclismo para não dizer mesmo um tsunami. Receou. Seria necessário recorrer à Igreja que nos momentos mais complicados está sempre ao dispor dos que sofrem? Umas novenas? Umas procissões? Umas penitências? A hipótese de umas voltas de joelhos à volta do recinto sagrado de Fátima?
As declarações do Emérito Cardeal Policarpo vieram, porém, lançar a hesitação sobre a intercepção da casa de Deus. Isto porque o ilustre purpurado/reformado tinha afirmado que lhe parecia “ que ninguém sabe que Portugal está numa crise e dá a ideia que todos reagem como se o estado pudesse satisfazer as suas reivindicações». Mas, não se ficou por aqui o prelado resignatário.
Disse mais: que não encontrara ”ninguém das oposições - todas elas - que apresentasse soluções. E se falhasse este mecanismo da economia liberal, Portugal só teria dinheiro para mês e meio», frisou, acrescentando que, nesse cenário, «não haveria dinheiro para pagar salários e pensões». É certo que D. Policarpo se considerou a si próprio fora do prazo de validade, mas não é menos o que entendeu sobre isso a Santa Sé. Donde, para ajudar a Galp, tinha de haver outras soluções que não a intervenção divina, mesmo dando de barato que o auxilio da Senhora de Fátima poderia ser ineficaz. A testá-lo, o Imóvel de Belém continuou – imóvel. Nem com a ajuda da ilustríssima esposa falou. E se o fizesse certamente diria mais uma vez asneirada da grossa, já que em alternativa nenhuma mosca se arriscaria em entrar em boca tão suja, vingativa e mentirosa.
Daí que reafirme a minha irrecusável piedade pela Galp. Que já foi Sacor fundada pelo judeu Martin Saim, residente em Paris e que teve nos seus corpos gerentes figuras importantes do salazarismo, a mais conhecida delas foi Francisco Casal Ribeiro, o ultra mais ultra no combate ao “primaveril” Marcelo Caetano.
Estou mesmo na expectativa do aparecimento no Facebook de uma proposta para a constituição de uma associação cujo escopo será a angariação de fundos para ajudar a gasolineira. Para tal sugiro a contratação da Dona Isabel Jonet, especialista em peditórios a nível nacional, com especial incidência às portas das grandes superfícies comerciais. Com uma condição sine qua non: que o litro da gasolina vá descendo a pouco e pouco, até que me seja possível encher o depósito do meu carro sem recorrer ao método usado pelo (des)Governo: assalto e roubo à mão desarmada.
De homens como este, sábios, brilhantes, cultos, dialogantes, inspirados – quiçá pela Senhora de Fátima e pela sua (dele) caríssima esposa – carece este País. Porém, felizmente, eles emergem das águas mais revoltas; para ser mais específico, ele emerge. Sem margem para dúvidas, Cavaco emerge, contrariando assim os que afirmam que imerge. Arquimedes enunciou que "Todo o corpo mergulhado num fluido em repouso sofre, por parte do fluido, uma força vertical para cima, cuja intensidade é igual ao peso do fluido deslocado pelo corpo."
Aliás, é bom que não se esqueça a sua deslocação às Desertas, a fim de visitar as cagarras. Ainda que em navio da Armada Portuguesa ele nunca imergiu. Fá-lo-ia talvez se tivesse utilizado um dos submarinos que Paulo Portas “arranjou”; mas não foi esse o caso. E sem pretender abandalhar este escrito, poder-se-á dizer que o Senhor Silva também não emergiu; não andou sob as águas do mar revolto, mas sim, sobre. Está-se, portanto, perante um émulo do Cristo. O mais alto magistrado da Nação – expressão utilizada, como é sabido, nos tempos salazarentos, mas que a Cavaco se aplica como uma luva – tem, pois, uma aura divina. E apóstolos.
Relembra-se aqui o episódio evangélico do caminhar sobre as águas, protagonizado pelo filho (?) do carpinteiro e pelos doze discípulos que o acompanhavam habitualmente. Conta a estória (que não se pode confirmar por não existir documento comprovativo) que o Nazareno recomendara à dúzia que o seguia, “Tende fé, camaradas, e andareis sobre as águas” – ressalve-se o termo aqui utilizado, que pode ser substituído por amigos - que nesse caso eram as do mar da Galileia. 
Em abono da verdade – e antes de concluir o ocorrido – há que dizer que uma outra versão do milagre foi relatada por Mateus (14:22-33), Marcos (6:45-52) e João (6:16-21). Mas, para o caso, há que retomar o que se vinha relatando. Evangelhos há muitos; pelo menos quatro; mas se contarmos com os apócrifos, que se diz serem cinco a coisa toma outro perfil e, bem entendido, outra dimensão. Adiante.
Os treze intérpretes do suposto milagre começaram, então, a caminhar sobre as águas, com os doze acólitos maravilhados e, ao mesmo tempo, espantados com o feito. Perdão, a dúzia, não; os onze. Isto por que Judas Iscariotes começou a imergir. Já preocupado, ele bateu no ombro de Filipe que o antecedia, solicitando-lhe que passasse palavra a fim de que o Mestre soubesse que ele, Judas, já tinha OH2 pela cintura.
Assim se fez; e o Senhor, voltou-se para Pedro que o seguia uns passos atrás e disse-lhe que, segundo em caminho inverso ao que se verificara, fosse acentuado a Judas que tivesse fé e andaria sobre as águas. Mas, quando a informação chegou ao Iscariotes, este já tinha água pelo peito. E de novo, o caso repetiu-se, com a transmissão oral – que me seja permitida a expressão um tanto pecadora, em linguagem politicamente correcta e usada em campanhas eleitorais, boca a boca.
Quando já estava imerso até aos primeiros pelos da barba, o apóstolo e futuro bufo repetiu o apelo. Este chegou a Jesus que, entre o preocupado e o irónico, respondeu a Pedro: “pronto, não se fala mais nisso; ensinem-lhe a localização das pedras. Estas sim, estas emergiam. Passe o anedótico da estória, há que reconhecer que ela tem algum fundamento: não se deve acreditar nem na própria sombra. Si non e vero, e bene trovato.
Voltando à expressão utilizada na política nacional, o andar por aí já ganhou foros de consagrado de tão repetido. A única dúvida que subsiste consiste em tentar saber que o próprio Cavaco não entendeu o que antes afirmara. O que é absolutamente natural nele, até mesmo com laivos de patológico. Mas o ministro Maduro baldou-se: ele também não entendeu. Apesar do apelido, ele está ainda muito verde.

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