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Recostado numa árvore qualquer com o sol ameno batendo em seu rosto peludo estava Jorge, um dos primeiros Homo Sapiens arcaicos. Quem o vê assim largadão no seu canto pode até achar que estava entediado, mas que nada, Jorge se sentia contente pois acabara de comer as frutinhas que aquela árvore lhe proveu e pensava em, mais tarde, reunir os brothers para uma caçada. O que Jorge ainda não sabia é que naquela mesma tarde passando suas mãos sujas de sangue numa superfície de pedra lisa ele descobriria um dom, Jorge tornava-se o primeiro artista.
Faculdade. Dentista. Freela. Rolê. Paqueras e outros ritos sociais tão desastrosos quanto… O que eu e Jorge temos em comum nisso tudo? Talvez apenas a pouca inteligência que não usamos para muita coisa.

Acordo atrasado. Sei disso pois, diferente de Jorge, o sol ameno batendo em meu rosto significa que mal abri meus olhos e já falhei. O pânico inicial é de uma criança que se perde num supermercado, olhando pros lados querendo chorar enquanto espera ajuda de algum adulto, mas que aos poucos abraça seu próprio vacilo. Pois é, meu celular — e consequentemente despertador — descarregou-se durante a noite e começo a aceitar que lá se foi a importantíssima prova de Circuitos Lógicos Integrados. Convicto de minha derrota decreto então que o dia está oficialmente cancelado!

It’s procrastination time!!!

O primeiro passo de uma boa caminhada rumo ao nada é possuir um smarthphone, o que é muito fácil caso você tenha mais de 4 e menos de 75 anos. As instruções são bem simples, ponha-o pra carregar e imediatamente verifique as notificações ali mesmo na tomada, tal qual um animal que dilacera sua vítima enquanto esta ainda respira com dificuldade, uma fera sedenta por qualquer estímulo que o faça lembrar que sua existência não foi esquecida. Mas é importante lembrar que são 9h da manhã, deixar as mensagens pra mais tarde é como, no almoço, deixar um pedaço de sua comida favorita para a ultima mordida.
No meu caso, possuo o limitadíssimo LG-L3, um dos mais modestos Androids de 2012, nele existe espaço apenas para o Whatsapp, logo não desfruto muito dos prazeres de ser transformado em números pelas redes sociais. Toda interação que possuo no aparelho são trocas de mensagens com outros humanos estranhos. Quando acendi o espelho negro e abri o aplicativo este me revelou que no dia anterior eu tinha discutido sério com uma amiga, tínhamos destilado nossas diferenças em apenas 6 linhas numa tela de 3.2 polegadas, um embate amargo e sem sal. Nota 4 na Escala Richter de discussões, suficiente pra derrubar um prédio mas com certeza não daria um bom espetáculo midiático. Procrastinar é economizar emoções.
Ainda assim a parte da manhã pode ser um dos maiores desafios quanto ao tédio, veja bem, não tenho mais amigos que brincam na rua, vendi minha TV em 2011 pra comprar comida japonesa e tenho muito medo de sentar na sala e participar de alguma interação familiar, expondo o ser humano horrível e confortável que sou… por isso tenho gatos, muitos gatos. Resenhar gatos é difícil pois apesar do pelo macio, das passadas entre as pernas e do ronrono acolhedor, não existem amigos nessa relação. Já diziam os Hawaianos: “Quer fidelidade? Arruma um cachorro”. A experiência de ter gatos é quase como a de ter um Tinder: tudo começa com dois seres incapazes de se comunicar claramente, desfrutando de agrados mútuos numa relação sem muito respeito até quando uma das partes extrapola, resolve cagar no tapete da sala e ir embora sem prestar contas. Mas ainda assim, tirando a parte escatológica, interagir com animais de estimação é uma ótima distração pra não ter que remarcar a consulta com dentista. Procrastinar é não se importar.
Sobrevivi até o meio da tarde parecido com Jorge, saindo da caverna apenas pra checar a situação da vida animal que me rodeia e comer coisas aleatórias que achava pelo caminho. Dali em diante Deus tinha saído do comando, ninguém mais governava esse Titanic de preguiça e indecisão no mar das grandes possibilidades da internet. Peguei meu notebook, deitei de qualquer jeito, abri o Twitter e tudo o que importava era ter menos de 140 caracteres coesos, mas nem tão coesos para não estragar a piada. Surfando pela timeline acabei caindo no ~outro site~ onde degustei um prato seco de 6 parágrafos com opiniões equivocadas sobre algum acontecimento do outro lado do mundo qual eu nunca me importei muito (e provavelmente o autor do textão também não) pois odiava geografia e todos aqueles mapas de… sei lá do que eram aqueles mapas todos. Cansado de tanto apertar F5 e de ler opiniões duvidosamente embasadas, saquei meu celular que igualmente pouca coisa tem de smart e visualizei as mensagens, respondi algumas e igual ao meme da Clarice Lispector, não vivi nenhuma. Procrastinar é um double check azul sem resposta por três dias na tela de quem você gosta.
A essa altura o notebook quente em minhas pernas já não incomodava mais, muito pelo contrário, o calor e o constante barulho sinestésico do cooleranestesiaram meu senso de urgência que uma hora ou outra sussurrava em meus ouvidos que o prazo pra entrega do trabalho estava acabando e quase nada estava pronto. Mas nenhum problema é de fato um problema quando você se encontra na Matrix limpando os dedos sujos de farelo no próprio lençol, a única urgência era apenas arrumar os travesseiros de modo que ficassem nem tão inclinados e nem muito deitados, um pouquinho-zinho-inho mais pra esquerda, assim, perfeito para minhas costas. Era o começo do fim.
Aquela pintura produzida por Jorge há milhares de anos atrás na parede de sua caverna mudou o mundo, até então o Homem desconhecia o trabalho, transporte público, Nickelback ou anuidade do cartão de crédito. Naquele ponto de inocência intelectual floresceria a concepção do ser e do pertencer, a necessidade de se expressar pela arte e junto com ela uma série de eventos que nos conduziriam para a besta chamada Netflix.
Iniciar uma nova aba do navegador e digitar apenas um “n” seguido de um “Enter” expõe bem o retrato de uma geração que não sonha mais com skates voadores ou caminhar sobre a lua. Sou Senhor de mim mesmo, tudo o que quero está ao alcance dos meus dedos e não preciso nem digita-lo por inteiro. Enquanto a página carregava, Eu, o Travesseiro e a Cama nos tornamos uma entidade só, participantes de uma grande metáfora distópica onde a Divina Trindade glorifica a Máquina e seu serviço de stream.
Abrir a Netflix requer um planejamento básico para você não acabar em 2004 numa locadora de filmes, andando de um lado pro outro lendo sinopses desconexas ou tentando achar “a melhor capa com aquele ator bonito”. Pra minha sorte hoje já existem pessoas descendentes distantes de Jorge que dedicam seu tempo para catalogar e ranquear obras de áudio e vídeo. Após algumas consultas percebi que boa parte dos filmes de maior nota eu já tinha assistido, o restante tem a capa feia ou é do Kubrick. Dê repente a arte se mostra uma mentira que ri da minha cara, sobraram apenas os filmes de nota 6. Vish, nem pensar! Nota 6 pra baixo dentro dessa casa já bastava eu. Assisti então 20 episódios seguidos de Hora de Aventura pra me lembrar de como a vida já foi colorida e imprevisível, porque na procrastinação não existem descobertas, apenas constatações.
No final do dia o banho não tomado reflete as lágrimas que de mim nunca caíram nessa jornada, e assim como meus gatos dou uma espreguiçada, uma coçadinha na nuca e vou dormir com a certeza de ser o melhor ser humano que eu conheço. Procrastinação não é um produto, mas se fosse um serviço ela viria acompanhada de 2,5 pinturas rupestres pois metade do esforço é o suficiente pra passar de ano em muito colégio público.

O quão bom é não fazer nada?

Recostado numa árvore qualquer com o sol ameno batendo em seu rosto peludo estava Jorge, um dos primeiros Homo Sapiens arcaicos. Quem o vê assim largadão no seu canto pode até achar que estava entediado, mas que nada, Jorge se sentia contente pois acabara de comer as frutinhas que aquela árvore lhe proveu e pensava em, mais tarde, reunir os brothers para uma caçada. O que Jorge ainda não sabia é que naquela mesma tarde passando suas mãos sujas de sangue numa superfície de pedra lisa ele descobriria um dom, Jorge tornava-se o primeiro artista.
Faculdade. Dentista. Freela. Rolê. Paqueras e outros ritos sociais tão desastrosos quanto… O que eu e Jorge temos em comum nisso tudo? Talvez apenas a pouca inteligência que não usamos para muita coisa.

Acordo atrasado. Sei disso pois, diferente de Jorge, o sol ameno batendo em meu rosto significa que mal abri meus olhos e já falhei. O pânico inicial é de uma criança que se perde num supermercado, olhando pros lados querendo chorar enquanto espera ajuda de algum adulto, mas que aos poucos abraça seu próprio vacilo. Pois é, meu celular — e consequentemente despertador — descarregou-se durante a noite e começo a aceitar que lá se foi a importantíssima prova de Circuitos Lógicos Integrados. Convicto de minha derrota decreto então que o dia está oficialmente cancelado!

It’s procrastination time!!!

O primeiro passo de uma boa caminhada rumo ao nada é possuir um smarthphone, o que é muito fácil caso você tenha mais de 4 e menos de 75 anos. As instruções são bem simples, ponha-o pra carregar e imediatamente verifique as notificações ali mesmo na tomada, tal qual um animal que dilacera sua vítima enquanto esta ainda respira com dificuldade, uma fera sedenta por qualquer estímulo que o faça lembrar que sua existência não foi esquecida. Mas é importante lembrar que são 9h da manhã, deixar as mensagens pra mais tarde é como, no almoço, deixar um pedaço de sua comida favorita para a ultima mordida.
No meu caso, possuo o limitadíssimo LG-L3, um dos mais modestos Androids de 2012, nele existe espaço apenas para o Whatsapp, logo não desfruto muito dos prazeres de ser transformado em números pelas redes sociais. Toda interação que possuo no aparelho são trocas de mensagens com outros humanos estranhos. Quando acendi o espelho negro e abri o aplicativo este me revelou que no dia anterior eu tinha discutido sério com uma amiga, tínhamos destilado nossas diferenças em apenas 6 linhas numa tela de 3.2 polegadas, um embate amargo e sem sal. Nota 4 na Escala Richter de discussões, suficiente pra derrubar um prédio mas com certeza não daria um bom espetáculo midiático. Procrastinar é economizar emoções.
Ainda assim a parte da manhã pode ser um dos maiores desafios quanto ao tédio, veja bem, não tenho mais amigos que brincam na rua, vendi minha TV em 2011 pra comprar comida japonesa e tenho muito medo de sentar na sala e participar de alguma interação familiar, expondo o ser humano horrível e confortável que sou… por isso tenho gatos, muitos gatos. Resenhar gatos é difícil pois apesar do pelo macio, das passadas entre as pernas e do ronrono acolhedor, não existem amigos nessa relação. Já diziam os Hawaianos: “Quer fidelidade? Arruma um cachorro”. A experiência de ter gatos é quase como a de ter um Tinder: tudo começa com dois seres incapazes de se comunicar claramente, desfrutando de agrados mútuos numa relação sem muito respeito até quando uma das partes extrapola, resolve cagar no tapete da sala e ir embora sem prestar contas. Mas ainda assim, tirando a parte escatológica, interagir com animais de estimação é uma ótima distração pra não ter que remarcar a consulta com dentista. Procrastinar é não se importar.
Sobrevivi até o meio da tarde parecido com Jorge, saindo da caverna apenas pra checar a situação da vida animal que me rodeia e comer coisas aleatórias que achava pelo caminho. Dali em diante Deus tinha saído do comando, ninguém mais governava esse Titanic de preguiça e indecisão no mar das grandes possibilidades da internet. Peguei meu notebook, deitei de qualquer jeito, abri o Twitter e tudo o que importava era ter menos de 140 caracteres coesos, mas nem tão coesos para não estragar a piada. Surfando pela timeline acabei caindo no ~outro site~ onde degustei um prato seco de 6 parágrafos com opiniões equivocadas sobre algum acontecimento do outro lado do mundo qual eu nunca me importei muito (e provavelmente o autor do textão também não) pois odiava geografia e todos aqueles mapas de… sei lá do que eram aqueles mapas todos. Cansado de tanto apertar F5 e de ler opiniões duvidosamente embasadas, saquei meu celular que igualmente pouca coisa tem de smart e visualizei as mensagens, respondi algumas e igual ao meme da Clarice Lispector, não vivi nenhuma. Procrastinar é um double check azul sem resposta por três dias na tela de quem você gosta.
A essa altura o notebook quente em minhas pernas já não incomodava mais, muito pelo contrário, o calor e o constante barulho sinestésico do cooleranestesiaram meu senso de urgência que uma hora ou outra sussurrava em meus ouvidos que o prazo pra entrega do trabalho estava acabando e quase nada estava pronto. Mas nenhum problema é de fato um problema quando você se encontra na Matrix limpando os dedos sujos de farelo no próprio lençol, a única urgência era apenas arrumar os travesseiros de modo que ficassem nem tão inclinados e nem muito deitados, um pouquinho-zinho-inho mais pra esquerda, assim, perfeito para minhas costas. Era o começo do fim.
Aquela pintura produzida por Jorge há milhares de anos atrás na parede de sua caverna mudou o mundo, até então o Homem desconhecia o trabalho, transporte público, Nickelback ou anuidade do cartão de crédito. Naquele ponto de inocência intelectual floresceria a concepção do ser e do pertencer, a necessidade de se expressar pela arte e junto com ela uma série de eventos que nos conduziriam para a besta chamada Netflix.
Iniciar uma nova aba do navegador e digitar apenas um “n” seguido de um “Enter” expõe bem o retrato de uma geração que não sonha mais com skates voadores ou caminhar sobre a lua. Sou Senhor de mim mesmo, tudo o que quero está ao alcance dos meus dedos e não preciso nem digita-lo por inteiro. Enquanto a página carregava, Eu, o Travesseiro e a Cama nos tornamos uma entidade só, participantes de uma grande metáfora distópica onde a Divina Trindade glorifica a Máquina e seu serviço de stream.
Abrir a Netflix requer um planejamento básico para você não acabar em 2004 numa locadora de filmes, andando de um lado pro outro lendo sinopses desconexas ou tentando achar “a melhor capa com aquele ator bonito”. Pra minha sorte hoje já existem pessoas descendentes distantes de Jorge que dedicam seu tempo para catalogar e ranquear obras de áudio e vídeo. Após algumas consultas percebi que boa parte dos filmes de maior nota eu já tinha assistido, o restante tem a capa feia ou é do Kubrick. Dê repente a arte se mostra uma mentira que ri da minha cara, sobraram apenas os filmes de nota 6. Vish, nem pensar! Nota 6 pra baixo dentro dessa casa já bastava eu. Assisti então 20 episódios seguidos de Hora de Aventura pra me lembrar de como a vida já foi colorida e imprevisível, porque na procrastinação não existem descobertas, apenas constatações.
No final do dia o banho não tomado reflete as lágrimas que de mim nunca caíram nessa jornada, e assim como meus gatos dou uma espreguiçada, uma coçadinha na nuca e vou dormir com a certeza de ser o melhor ser humano que eu conheço. Procrastinação não é um produto, mas se fosse um serviço ela viria acompanhada de 2,5 pinturas rupestres pois metade do esforço é o suficiente pra passar de ano em muito colégio público.

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